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25 de Abril de 2024

Sentença procedente em sede de Ação Revisional do FGTS

há 10 anos

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Segue a sentença de 14 de abril de 2014, proferida pela Excelentíssima Juíza Federal Sílvia Regina Salau Brollo da 11a Vara Federal de Curitiba - TRF4.


EMENTA: FGTS. APLICAÇÃO DA TR COMO ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. DECLARAÇÃOINCIDENTER TANTUMDE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 13DA LEI8.036/90 E DOS ARTS. 1ºE17DA LEI8.177/91, A PARTIR DE 01/06/1999. VIOLAÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL DE PROPRIEDADE. PREJUÍZO FINANCEIRO PATENTE PARA OS FUNDISTAS POR NÃO REFLETIR A TR A PERDA REAL DE PODER AQUISITIVO DA MOEDA. APLICAÇÃO DO INPC COMO INDEXADOR SUBSTITUTO. PEDIDO PROCEDENTE EM PARTE.

SENTENÇA

1.Relatório

A parte autora ingressou com demanda em face da Caixa Econômica Federal pretendendo a substituição da TR pelo INPC ou pelo IPCA, como índice de correção dos depósitos efetuados na sua conta vinculada ao FGTS.

Narrou que é optante pelo regime do FGTS, fundo que atualmente é regido pela Lei nº 8.036/1990 e por normas e diretrizes estabelecidas por seu Conselho Curador, sendo gerido pela Caixa Econômica Federal.

Invocou os artigos 2º e 13 de referido diploma legal para fundamentar a obrigatoriedade de correção monetária e de remuneração através de juros dos depósitos efetuados nas contas vinculadas do FGTS. Acrescentou que o índice utilizado para a correção monetária é a Taxa Referencial - TR. Alegou que há muito tempo a TR não reflete mais a correção monetária.

Dissertou sobre a legitimidade passiva da CAIXA e invocou a aplicação da prescrição trintenária.

Afirmou que permanece a perplexidade em relação à natureza jurídica da TR, até por conta da própria inconsistência da lei que a criou que ora a trata como taxa de juros, ora como indexador. Aduziu que as taxas de juros objetivam promover a remuneração do capital e os indexadores, por outro lado, podem ser entendidos como índices calculados a partir da variação de preços de mercado em determinado período e que seu objetivo está na correção dos efeitos inflacionários.

Comentou sobre a ADI 493-0. Fundamentou que desde 1999 a TR não mais reflete a correção monetária dos depósitos do FGTS.

Sustentou a inexistência de correção monetária pela taxa referencial e comentou sobre o julgamento das ADI 4425 e 4357, transcrevendo trechos do julgado.

Apontou a existência atual de dois índices de correção monetária que, a seu ver, refletem a inflação - o IPCA e o INPC.

No evento 3 foi deferida a justiça gratuita e indeferida a antecipação de tutela.

Citada, a CEF ofertou contestação (evento 9). Preliminarmente, arguiu sua ilegitimidade passiva; o litisconsórcio passivo necessário com a União e BACEN; e a prescrição quinquenal. No mérito, sustentou apenas cumprir a determinação legal contida na Lei 8036/1990. Enfatizou que uma proposta legislativa que pretendia a substituição do índice em questão fora rejeitada pelo próprio Poder Legislativo. Afirmou que se for considerada a soma da TR com os juros de 3% ao ano, a remuneração do FGTS acompanha os índices pelos quais se pretende a substituição. Comentou sobre as razões de instituição da TR e sobre seu redutor. Ressaltou os reflexos negativos decorrentes de eventual substituição, incidentes sobre os programas de financiamento habitacional, créditos estudantis, saneamento básico, dentre outros.

A parte autora apresentou réplica no evento 12.

Vieram os autos conclusos para sentença.

2. Fundamentação

Preliminares:

Suspensão do processo

Requer a CEF a suspensão do presente feito, em razão da decisão lançada no bojo do Recurso Especial nº 1.1381.683-PE.

A sistemática da suspensão da tramitação de processos afetos à multiplicidade de recursos, em sede de Recurso Especial, é regulada pelo art. 543-C do Código de Processo Civil, que tem a seguinte redação:

Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).

§ 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça..

§ 2o Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.

§ 3o O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia.

§ 4o O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.

§ 5o Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4o deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias.

§ 6o Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

§ 7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem:

I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou

II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.

§ 8o Na hipótese prevista no inciso IIdo § 7o deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, farse-á o exame de admissibilidade do recurso especial.

§ 9o O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo.(Destacou-se).

Como se vê, o dispositivo acima transcrito é inaplicável a este caso concreto, tendo em vista que sua incidência é limitada, tão somente, aos recursos especiais (no caso do parágrafo primeiro), ou aos recursos em processamento na segunda instância (no caso do parágrafo segundo).

O caso dos autos ainda se encontra na primeira instância - não se tratando, portanto, de recurso - motivo pelo qual não se subsume à hipótese legal.

Da mesma forma, o artigo 2º, § 2º, da Resolução 8/2008 do Superior Tribunal de Justiça determina apenas a suspensão dos 'recursos que versem sobre a mesma controvérsia'.

Em síntese, não se tratando de recurso, não há motivo para a suspensão deste processo.

Ilegitimidade passiva da CEF e litisconsórcio passivo necessário com a União e BACEN

Quanto à legitimidade da CEF para figurar no polo passivo da presente demanda, é de se ressaltar que a matéria encontra-se pacificada em nossos tribunais, tendo sido sumulada pelo E. STJ, no seguinte teor:

'Súmula nº 249: A Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva para integrar processo em que se discute correção monetária do FGTS.'

Igualmente, no que concerne à legitimidade passiva, não há falar-se em litisconsórcio passivo necessário da União e do BACEN, consoante já pacificado pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com a edição da Súmula 56:

'Somente a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva nas ações que objetivam a correção monetária das contas vinculadas do FGTS'.

Desta feita, a CEF é parte legítima, como único ente legitimado passivamente para a causa, motivo pelo qual afasto suas alegações.

Prescrição

Consoante os termos da Súmula nº 57 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, 'as ações de cobrança de correção monetária das contas vinculadas do FGTS sujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos'. Da mesma forma, a Súmula nº 210 do Superior Tribunal de Justiça prescreve que 'a ação de cobrança das contribuições para o FGTS prescreve em trinta (30) anos'.

Destaque-se que a prescrição trintenária deve ser aplicada considerando-se o vencimento de cada parcela, ou seja, mês a mês.

Destarte, reconheço que a prescrição atinge as parcelas anteriores ao trintênio que antecede a ação.

Mérito:

Peço vênia para utilizar a fundamentação da sentença proferida pelo MM. Juiz Federal Substituto Flávio

Antônio da Cruz, nos autos nº 5038479-23.2013.404.7000/PR, como razões de decidir:

1. Promovo o julgamento imediato do processo, na forma do art. 330, I, CPC, eis que a discussão é essencialmente normativa. As partes discutem a validade da aplicação da taxa referencial como critério de correção das contas vinculadas ao FGTS. Não há, portanto, necessidade de dilações probatórias.

Ora, o demandante sustentou que a variação da TR não seria um critério idôneo para a correção dos saldos mantidos, em seu nome, em conta vinculada ao FGTS. Não chegou a explicitar o índice substituto.

A CEF alegou, então, que a peça seria inepta.

Não prospera a objeção processual.

Conquanto o requerente não tenha detalhado o critério substituto, vê-se que busca a imposição de índice que retrate a efetiva variação do poder aquisitivo da moeda (INPC, IPCA etc.).

A peça permitiu a compreensão do pedido e da causa de pedir.

2. Por outro lado, a Caixa Econômica é o agente operador do FGTS, conforme se infere do art. , § 1º, 'b' do Decreto-lei 2.291/1986 e também arts. e da lei 8036/1990.

Art. do DL 2.291/1986 - É extinto o Banco Nacional da Habitação - BNH, empresa pública de que trata a Lei número 5.762, de 14 de dezembro de 1971, por incorporação à Caixa Econômica Federal - CEF.

§ 1º - A CEF sucede ao BNH em todos os seus direitos e obrigações, inclusive: (...) b) na gestão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, do Fundo de Assistência Habitacional e do Fundo de Apoio à Produção de Habitação para a População de Baixa Renda.

Art. da lei 8036/1990 - A gestão da aplicação do FGTS será efetuada pelo Ministério da Ação Social, cabendo à Caixa Econômica Federal (CEF) o papel de agente operador.

Art. 7º À Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente operador, cabe:

I - centralizar os recursos do FGTS, manter e controlar as contas vinculadas, e emitir regularmente os extratos individuais correspondentes às contas vinculadas e participar da rede arrecadadora dos recursos do FGTS;

II - expedir atos normativos referentes aos procedimentos adiministrativo-operacionais dos bancos depositários, dos agentes financeiros, dos empregadores e dos trabalhadores, integrantes do sistema do FGTS;

III - definir os procedimentos operacionais necessários à execução dos programas de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana, estabelecidos pelo Conselho Curador com base nas normas e diretrizes de aplicação elaboradas pelo Ministério da Ação Social;

IV - elaborar as análises jurídica e econômico-financeira dos projetos de habitação popular, infra-estrutura urbana e saneamento básico a serem financiados com recursos do FGTS;

V - emitir Certificado de Regularidade do FGTS;

VI - elaborar as contas do FGTS, encaminhando-as ao Ministério da Ação Social;

VII - implementar os atos emanados do Ministério da Ação Social relativos à alocação e aplicação dos recursos do FGTS, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Curador.

(...) - vetado

IX - garantir aos recursos alocados ao FI-FGTS, em cotas de titularidade do FGTS, a remuneração aplicável às contas vinculadas, na forma do caput do art. 13 desta Lei.

Parágrafo único. O Ministério da Ação Social e a Caixa Econômica Federal deverão dar pleno cumprimento aos programas anuais em andamento, aprovados pelo Conselho Curador, sendo que eventuais alterações somente poderão ser processadas mediante prévia anuência daquele colegiado.

Menciono, ademais, a súmula 249 do STJ: 'A Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva para integrar processo em que se discute correção monetária do FGTS.'

3. O prazo prescricional para que seja deduzida em juízo a pretensão à condenação da CEF à correção de valores é de 30 (trinta) anos, conforme súmula 57 do eg. TRF da 4ª Rg. E súmula 210 do STJ:

Súmula 210 STJ: A ação de cobrança das contribuições para o FGTS prescreve em 30 (trinta) anos.

Súmula 57 TRF4: As ações de cobrança de correção monetária das contas vinculadas do FGTS sujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.

Conforme já decidiu o eg. TRF4, 'Sendo a prescrição para cobrança do FGTS trintenária, o mesmo prazo deve ser aplicado para as hipóteses em que o trabalhador reclama a incidência de juros, uma vez que, sendo acessórios, devem seguir o principal.'(TRF4, AC 2004.71.00.045132-9/RS, DJE de 18.03.2010).

4. Como sabido, o FGTS foi criado setembro de 1966, por meio da lei 5.107 (regulamentada pelos Decretos 59.820/1966 e 61.405/1967). Àquele tempo, o instituto estava destinado a servir de garantia para demissões sem justa causa. O empregado deveria optar entre a adesão ao FGTS ou o regime de estabilidade no emprego, que vinha previsto no art. 165, XII, CF/1967.

Esse regime optativo - enquanto contraponto à estabilidade - foi severamente alterado com a promulgação da Constituição de 1988, cujo art. , III, preconizou o seguinte:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) III - fundo de garantia do tempo de serviço.

Com isso, superou-se aquele antagonismo (FGTS versusestabilidade), de modo que esse pecúlio passou a ser compreendido como uma prerrogativa complementar do trabalhador.

5. O FGTS foi regulado, então, pela medida provisória n. 90, de 26 de setembro de 1989, responsável por arbitrar prazo para a transferência dos valores para a administração da CEF (conselho curador do FGTS).

Aquela MP 90/1989 foi convertida na lei 7.839/1989.

Posteriormente, em 11 de maio de 1990, foi publicada a lei 8036, que também tratou das contas vinculadas ao FGTS.

Esse diploma normativo foi pontualmente alterado pela lei 8.692/1993, lei 9.649/1998, lei 9.711/1998, MP 2.197-43/2001 e pela lei 11.491/2007.

6. O Fundo possui significativo relevo social, na medida em que viabiliza investimentos públicos na área de habitação (SFH, p. Ex.), saneamento básico, infraestrutura urbana (art. , § 2º, lei 8036/90). Ele permite elevado aporte de recursos para a construção civil, sabidamente uma importante fonte de empregos.

Por outro lado, nos termos do art. 2º daquela lei, 'O FGTS é constituído pelos saldos das contas vinculadas a que se refere esta lei e outros recursos a ele incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações.'

Ve-se, desse modo, que a lei 8036/1990 dispôs que as contas vinculadas ao FGTS devem ser alvo de atualização monetária.

7. Como sabido, a correção monetária está destinada a assegurar o poder de compra da moeda. Busca-se, com isso, eliminar ou reduzir os efeitos da inflação, sobremodo diante de uma cultura de irresponsável emissão de dinheiro, em passado recente.

Em princípio, a inflação decorre da própria lei da oferta e procura. Caso haja várias pessoas em uma ilha, e uma única bicicleta disputada por todos, o vendedor pode conseguir - conjeture-se - $10.000,00 pelo bem, caso essa seja a maior quantia à disposição de um determinado agente econômico.

Na hipótese de alguém descobrir dinheiro escondido em um baú, p. Ex., aquela mercadoria (res in comércio) poderia ganhar valor de troca muito superior. Quanto maior a quantidade de recursos em circulação, menos a unidade monetária comprará, em boa lógica.

8. A correção monetária foi implementada, no Brasil, com a lei 4.380/1964, que preconizou a correção de contratos bancários, ao mesmo tempo em que criou o SFH, e também pela lei 6.899/1981, que tratou da correção de débitos judiciais - art. 1º.

Em princípio, um verdadeiro índice de correção monetária deve ser arbitrado tendo em conta a efetiva variação do poder aquisitivo da moeda. Ou seja, deve-se aferir qual o preço da cesta básica, dos alugueres, gasolina etc. Em determinada data e confrontar o resultado com o preço dos mesmos produtos em um momento subsequente. Os índices variarão conforme os itens que venham a ser avaliados.

9. Tanto por isso, em princípio, o INPC/IBGE retrata a variação da inflação, eis que toma em conta a modificação dos preços em estabelecimentos comerciais e concessionárias de serviço público. Essa também é a natureza do Índice Geral de Preços, calculado pela FGV, dentre vários outros indexadores.

A taxa referencial básica foi criada, porém, com outra finalidade.

Ela foi concebida sob o governo Fernando Collor como uma tentativa de debelar a inflação, mediante redução do meio circulante. Anote-se que intento semelhante fora promovido com o confisco de recursos da caderneta de poupança (Plano Collor II).

Tanto por isso, àquele tempo, a taxa referencial tendia a ser elevada, como um importante mecanismo de estímulo à manutenção dos recursos em caderneta de poupança ou em outros investimentos.

Ademais, a taxa referencial incorporava, àquele tempo, a tentativa de previsão da inflação futura, a fim de se desindexar as cadernetas de poupança. Ela deveria se prestar como sinalizador dos juros vigentes no Brasil, sendo divulgada mensalmente, a fim de evitar que a taxa de juros refletisse a variação da inflação do período anterior (algo parecido ao crawling peg).

Com efeito, no âmbito do Plano Collor II foram extintos o BTN fiscal (criado pela lei 7.799/1989), o BTN previsto na lei 7.777/1989, o maior valor de referência (MVR), o índice de reajuste de valores fiscais (IRVF), o índice de cestas básicas (ICB), conforme se infere do art. da lei 8.177.

O Conselho Monetário fixou, com a Resolução 1.805/1991, umredutor de 2% para a definição da taxa referencial (fator a ser aplicado sobre a média móvel ajustada das taxas de juros da economia).

Art. 3º. - Resolução 1805/1991 - O Banco Central do Brasil calculará a TR a partir da remuneração mensal média dos certificados e recibos de depósito bancário emitidos pelas 20 (vinte) maiores dentre as instituições financeiras integrantes da amostra, designadas instituições de referência, com base nas informações prestadas na forma do que dispõe o art. 2º, utilizando a seguinte metodologia:

I - será obtida a taxa média de remuneração dos CDB/RDB das instituições de referência, correspondente a cada um dos 6 (seis) dias de referência, conforme a fórmula abaixo: (...)

II - Será atribuído peso diferenciado a cada dia de referência, calculando-se, a partir das taxas médias de remuneração obtidas nos termos do item I, a taxa média ponderada de remuneração, conforme o seguinte: (...)

III - a TR será calculada deduzindo-se da taxa média ponderada de remuneração obtida nos termos do item II os efeitos decorrentes da tributação e da taxa real histórica de juros da economia - representados pela taxa bruta mensal de 2% (dois por cento) conforme a fórmula abaixo: (...)

10. O problema é que, a rigor, a taxa referencial não retrata a variação do poder aquisitivo da moeda. Ela não é calculada tendo em conta a modificação de preços de víveres, gasolina, alugueres e outros produtos/serviços.

A taxa referencial tem sido definida mediante a coleta de informações junto às 30 (trinta) maiores instituições financeiras do país, em volume de captação em CDB/RDB, com prazo de 30 dias (Resolução n.2.437/1997 e Resolução 3354/2006, do Conselho Monetário Nacional).

Art. 2º - Resolução 3354/2006 - A TBF e a TR são calculadas a partir da remuneração mensal média dos CDB/RDB emitidos a taxas de mercado prefixadas, com prazo de 30 a 35 dias corridos, inclusive, com base em informações prestadas pelas instituições integrantes da amostra de que trata o art. 1º, na forma a ser determinada pelo Banco Central do Brasil.

11. Isso significa que, a rigor, a mencionada taxa referencial reflete, de algum modo, o custo de captação de moeda pelos bancos. Mas, note-se bem, isso não significa necessariamente uma variação da inflação.

Afinal de contas, os bancos podem pagar maior remuneração por conta de vários fatores: a necessidade episódica de obtenção de recursos para satisfação de suas dívidas, o interesse estatal em retirar recursos do mercado etc.

O fato de a variação da taxa referencial ser reduzida, em determinado período, não implica necessariamente que tenha havido diminuta inflação. Essa variação da taxa não está atrelada, como se percebe, à modificação dos preços ao consumidor.

12. Daí que, desde a sua instituição, com a mencionada Medida Provisória 294/1991, convertida na lei 8177/1991, a sua aplicação tenha sido alvo de incontáveis controvérsias.

De partida, registre-se que a Procuradoria da República ingressara, àquele tempo, com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN 493-0/DF), insurgindo-se contra a referida lei 8177/1991.

A Suprema Corte concedeu o provimento liminar em data de 08 de maio de 1991 a fim de suspender vários dispositivos daquele diploma. Destaque-se que, àquele tempo, o Min. Moreira Alves pontuou o que segue:

'O senhor Ministro Moreira Alves (relator) - Imagine V. Exa. Que a legislação tivesse extinto os índices de desindexação e se não houvesse estabelecido a TR para, em certos casos, ser usada no lugar deles. Como ficaria? Uma de duas: ou seria inconstitucional acabar com os índices, ou, então, obviamente, deixariam esses índices de existir. Com a adoção da TR, o problema que surgiu foi o de saber se ela é, ou não, índice de atualização monetária, e, não o sendo, se pode ser usada como se o fosse. Essa questão, porém, não pode ser resolvida em julgamento de pedido de liminar.' (ADIN 493-0, DF, medida liminar, manifestação do min. Moreira Alves)

13. Ao apreciar o mérito daquela ADIN 493-0/DF, a Suprema Corte obstou a sua incidência quanto aos contratos em curso, na data da publicação da lei, dada a violação ao ato jurídico perfeito (art. , XXXVI, CF).

De outro tanto, o STF também enfatizou que 'A taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. Por isso, não há necessidade de se examinar a questão de saber se as normas que alteram índice de correção monetária se aplicam imediatamente, alcançando, pois, as prestações futuras de contratos celebrados no passado, sem violarem o disposto no art. , XXXVI, da Carta Magna.'

Reporto-me também ao seguinte excerto do voto do Min. Moreira Alves, bastante preciso no seu exame:

'Como se vê, a TR é a taxa que resulta, com a utilização das complexas e sucessivas fórmulas contidas na Resolução nº 1085 do Conselho Monetário Nacional, do cálculo da taxa média ponderada da remuneração dos CDB/RDB das vinte instituições selecionadas, expurgada esta de dois por cento que representam genericamente o valor da tributação e da 'taxa real histórica de juros da economia' embutidos nessa remuneração.

Seria a TR índice de correção monetária, e, portanto, índice de desvalorização da moeda, se inequivocamente essa taxa média ponderada da remuneração dos CDB/RDB com o expurgo de 2% fosse constituída apenas do valor correspondente à desvalorização esperada da moeda em virtude da inflação. Em se tratando, porém, de taxa de remuneração de títulos para efeito de captação de recursos por parte de entidades financeiras, isso não ocorre por causa dos diversos fatores que influem na fixação do custo do dinheiro a ser captado.

(...)

A variação dos valores das taxas desse custo prefixados por essas entidades decorre de fatores econômicos vários, inclusive peculiares a cada uma delas (assim, suas necessidades de liquidez) ou comuns a todas (como, por exemplo, a concorrência com outras fontes de captação de dinheiro, a política de juros adotada pelo Banco Central, a maior ou menor oferta de moeda), e fatores esses que nada têm que ver com o valor de troca da moeda, mas, sim - o que é diverso -, com o custo da captação desta.' STF, ADI 493-0, excerto do voto do Min. Moreira Alves.

14. A despeito, porém, daquele entendimento, o fator continuou a ser aplicado. Os tribunais reconheceram a validade do emprego da taxa referencial básica como índice de correção de contratos de mútuo feneratício, desde que fosse pactuada. Por sinal, o Superior Tribunal de Justiça chegou a editar súmulas de conteúdo semelhante para tratar do tema:

Súmula 295 STJ - A Taxa Referencial (TR) é indexador válido para contratos posteriores à Lei n. 8.177/91, desde que pactuada.

Súmula 454 STJ - Pactuada a correção monetária nos contratos do SFH pelo mesmo índice aplicável à caderneta de poupança, incide a taxa referencial (TR) a partir da vigência da Lei n. 8.177/1991.

15. Anote-se que os saldos mantidos em caderneta de poupança são corrigidos pela variação da taxa referencial básica. Ou seja, para além desse índice ainda são aplicados juros de 0,5% ao mês ou 6,17% capitalizados ao ano.

A taxa referencial foi prevista, como índice de correção contratual, nos aludidos arts. 12 e 18 da lei 8177/1991, nos arts. 13 e 22 da lei 8036/1990, art. 15 da lei 8692/1993, dentre outros textos legais.

Conquanto já tenha sido elevada - dado o interesse, então, em se reduzir o meio circulante -, recentemente a taxa referencial tem apresentado variação de pouca monta. Ela não tem recomposto o poder aquisitivo.

Ainda assim, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que referida indexação, prevista em lei, seria legítima:

Súmula 459 STJ - A Taxa Referencial (TR) é o índice aplicável, a título de correção monetária, aos débitos com o FGTS recolhidos pelo empregador mas não repassados ao fundo.

16. Julgo, porém, que referido indexador não pode ser aplicado às contas vinculadas do FGTS. Sei bem que referido fundo possui regime jurídico bastante peculiar, conforme já registrado pela Suprema Corte ao apreciar o RE n.º 226.855-7/RS:

'O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, ao contrário do que sucede com as cadernetas de poupança, não tem natureza contratual, mas, sim, estatutária, por decorrer de lei e por ela se disciplinado.'

Conquanto tais recursos sejam de propriedade do trabalhador, eles não podem ser sacados ao seu bel prazer, eis que a conta apenas pode ser movimentada na hipótese do art. 20, lei 8.036/1990.

É indiscutível, pois, que referidas contas se submetem a um plexo normativo bastante peculiar. Mas, a despeito disso, trata-se de dívida de valor, e não de mera dívida de dinheiro.

Como sabido, 'Dívida em dinheiro é a que se representa pela moeda considerada em seu valor nominal, isto é, pelo importe econômico nela numericamente consignado. É aquela contraída em determinada moeda, e que deve ser adimplida pelo valor estampado na sua face, consistindo, assim, na mais acabada expressão do nominalismo.' (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Arts. 304-388. Vol. V. Tomo I. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 251).

Uma nota promissória insuscetível de correção monetária retrataria, a bem da verdade, uma espécie de obrigação de entregar quantum certo, a despeito da sua efetiva capacidade aquisitiva.

Judith Martins-Costa enfatiza, todavia, que 'A expressão dívida de dinheiro não representa, pois, nem o valor material no qual expressa a unidade monetária, nem o valor de compra de produtos ou o valor de serviços, nem objetiva, nem subjetivamente. Ela é, simplesmente, a forma material de uma vinculação monetária, vinculação abstrata e, por isso, apta a comprar e a pagar tudo o que pode ser objeto de patrimônio. É este, diz El-Gamal, o segredo que lhe permite desempenhar as funções prodigiosas nas relações econômicas. Sendo assim, força é concluir que o dinheiro não tem um valor em si, e o que se chama de valor da moeda é o nível geral dos preços, dos produtos e dos serviços, o que não é matéria concernente ao sistema monetária, mas ao sistema econômico.' (MARTINS-COSTA. Comentários ao novo Código Civil, p. 252).

Ora, nas dívidas de valor (Wertschuld), 'a moeda não constitui o objeto da dívida. São débitos que visam assegurar ao credor umquid e não um quantum, uma situação patrimonial determinada e não um certo número de unidades monetárias. Assim, nas dívidas de valor, a quantia em dinheiro é apenas a representação ou tradução transitória, num determinado momento, do valor devido. Variando o poder aquisitivo da moeda, o valor necessário para alcançar a finalidade do débito sofre uma modificação no seu quantum monetário, impondo-se, pois, um reajustamento. Em conclusão: enquanto nas dívidas de dinheiro, o quantum é o único objeto do débito, nas dívidas de valor, a soma de dinheiro é a quantia correspondente, nas condições atuais, a determinar o poder aquisitivo que o devedor se obrigou a fornecer ao credor.' (WALD, Arnoldo. A teoria das dívidas de valor e as indenizações decorrentes de responsabilidade civil inRevista da Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro. Volume 23, 1970, p. 22).

17. Ora, em que pese o regime específico que lhe é aplicável, poderia o Parlamento simplesmente recusar a correção monetária dos saldos vinculados ao FGTS? Poderia convertê-lo em mera dívida de dinheiro, recusando aos titulares daquelas contas a sua pertinente correção?

A resposta é um terminante 'não'.

E isso pelo fato singelo de que, a vingar uma tal solução, o Congresso acabaria por aniquilar a garantia constitucionalmente imposta (art. , III, CF). Ou seja, por mais singular que seja o seu regime jurídico, isso não converte os valores em dívida de dinheiro.

O Estado está obrigado, pois, a corrigir monetariamente tais valores, e isso não apenas por conta de episódica opção valorativa do Congresso. Antes, por força mesmo da própria opção fundamental dos Constituintes, na exata medida em que - havendo inflação - o poder aquisitivo daqueles recursos há de ser preservado.

18. Aliás, há uma diferença significativa entre as contas vinculadas ao FGTS e as cadernetas de poupança e outros investimentos. Ao contrário desses últimos, o Fundo de Garantianão é portável; cuida-se, ao contrário, de aplicação obrigatória nos termos do art. da Constituição/88 e da lei 8036/90.

Quanto aos demais investimentos, em princípio é dado ao interessado transferir seus recursos para aplicações mais vantajosas, conforme o seu juízo de risco/resultado.

O mesmo não ocorre, todavia, no que toca ao FGTS. Não resta ao trabalhador outra opção senão a de aguardar as correções aplicadas pelo agente operador. Os índices acabam sendo cogentes.

19. Pode-se cogitar, todavia, de alguma liberdade de escolha por parte do Congresso Nacional. Afinal de contas, os parlamentares teriam certa margem para a escolha dos indexadores de inflação a serem aplicados. Há o INPC, IPCA-E, IGP-M etc.

Julgo, todavia, que, conquanto a lei possa definir índices setoriais ou índices gerais, ela não pode aplicar critérios inaptos para a efetiva apreciação da variação do poder aquisitivo da moeda.

Reporto-me aqui ao voto do insigne Ministro Ayres Brito, que com muita acurácia examinou esse tema ao julgar a ADIN 4425:

'Segundo, o que jaz à disponibilidade do legislador (inclusive o de reforma da Constituição) não é o percentual da inflação. Esse percentual, seja qual for, já estará constitucionalmente recepcionado como o próprio reajuste nominal da moeda.

O que fica à mercê do poder normativo do Estado é a indicação de providências viabilizadoras de uma isenta aferição do crescimento inflacionário, tais como: a) o lapso temporal em que se fará a medida da inflação, compreendendo a data-base e a periodicidade; b) as mercadorias ou os bens de consumo que servirão de objeto de pesquisa para o fim daquela aferição, com o que se terá um índice geral, ou, então, um índice setorial de preços; c) o órgão ou entidade encarregada da pesquisa de mercado.

Daí que um dado índice oficial de correção monetária de precatórios possa constar de lei, desde que tal índice traduza o grau de desvalorização da moeda. Principalmente se se levar em conta que o art. 97 do ADCT (acrescentado pela EC nº 62/2009) instituiu nova moratória de 15 (quinze) anos para pagamento de precatórios por Estados, Distrito Federal e Municípios.

Do que resulta o óbvio: se a 'preservação do valor real' do patrimônio particular é constitucionalmente assegurada, mesmo nos casos de descumprimento da função social da propriedade (inciso III do § 4º do art. 182 e caput do art. 184, ambos da CF12), como justificar o sacrifício ao crédito daquele que tem a seu favor uma sentença judicial transitada em julgado?

Com estes fundamentos, tenho por inconstitucional a expressão 'índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança', constante do § 12 do art. 100 da Constituição Federal, do inciso IIdo § 1º e do § 16, ambos do art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.'STF, ADIN 4425/DF, voto do Min. Ayres Brito.

Menciono também o voto do insigne Min. Luiz Fux:

'Quanto à disciplina da correção monetária dos créditos inscritos em precatórios, a EC nº 62/09 fixou como critério o 'índice oficial de remuneração da caderneta de poupança'. Ocorre que o referencial adotado não é idôneo a mensurar a variação do poder aquisitivo da moeda. Isso porque a remuneração da caderneta de poupança, regida pelo art. 12 da Lei nº 8.177/91, com atual redação dada pela Lei nº 12.703/2012, é fixada ex ante, a partir de critérios técnicos em nada relacionados com a inflação empiricamente considerada. Já se sabe, na data de hoje, quanto irá render a caderneta de poupança. E é natural que seja assim, afinal a poupança é uma alternativa de investimento de baixo risco, no qual o investidor consegue prever com segurança a margem de retorno do seu capital.

A inflação, por outro lado, é fenômeno econômico insuscetível de captação apriorística. O máximo que se consegue é estimá-la para certo período, mas jamais fixá-la de antemão. Daí por que os índices criados especialmente para captar o fenômeno inflacionário são sempre definidos em momentos posteriores ao período analisado, como ocorre com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A razão disso é clara: a inflação é sempre constatada em apuração ex post, de sorte que todo índice definido ex ante é incapaz de refletir a efetiva variação de preços que caracteriza a inflação. É o que ocorre na hipótese dos autos.

A prevalecer o critério adotado pela EC nº 62/09, os créditos inscritos em precatórios seriam atualizados por índices pré-fixados e independentes da real flutuação de preços apurada no período de referência. Assim, o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança não é critério adequado para refletir o fenômeno inflacionário.

Destaco que nesse juízo não levo em conta qualquer consideração técnico-econômica que implique usurpação pelo Supremo Tribunal Federal de competência própria de órgãos especializados. Não se trata de definição judicial de índice de correção. Essa circunstância, já rechaçada pela jurisprudência da Casa, evidentemente transcenderia as capacidades institucionais do Poder Judiciário. Não obstante, a hipótese aqui é outra. Diz respeito à idoneidade lógica do índice fixado pelo constituinte reformador para capturar a inflação, e não do valor específico que deve assumir o índice para determinado período. Reitero: não se pode quantificar, em definitivo, um fenômeno essencialmente empírico antes mesmo da sua ocorrência. A inadequação do índice aqui é autoevidente.

Corrobora essa conclusão reportagem esclarecedora veiculada em 21 de janeiro de 2013 pelo jornal especializado Valor Econômico. Na matéria intitulada 'Cuidado com a inflação', o periódico aponta que 'o rendimento da poupança perdeu para a inflação oficial, medida pelo IPCA, mês a mês desde setembro' de 2012. E ilustra: 'Quem investiu R$1mil na caderneta em 31 de junho [de 2012], fechou o ano com poder de compra equivalente a R$996,40.

Ganham da inflação apenas os depósitos feitos na caderneta antes de 4 de maio, com retorno de 6%. Para os outros, vale a nova regra, definida no ano passado, de rendimento equivalente a 70% da meta para a Selic, ou seja, de 5,075%'. Em suma: há manifesta discrepância entre o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança e o fenômeno inflacionário, de modo que o primeiro não se presta a capturar o segundo. O meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é, portanto, inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período).

Não bastasse essa constatação, é de se ver que o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que a Taxa Referencial não reflete a perda do poder aquisitivo da moeda. Ao julgar a ADIn 493, rel. Min. Moreira Alves, o plenário desta Corte entendeu que o aludido índice não foi criado para captar a variação de preços na economia, daí ser insuscetível de operar como critério de atualização monetária.

(...) Assentada a premissa quanto à inadequação do aludido índice, mister enfrentar a natureza do direito à correção monetária. Na linha já exposta pelo i. Min. Relator, 'a finalidade da correção monetária, enquanto instituto de Direito Constitucional, não é deixar mais rico o beneficiário, nem mais pobre o sujeito passivo de uma dada obrigação de pagamento. É deixá-los tal como qualitativamente se encontravam, no momento em que se formou a relação obrigacional'.

Daí que a correção monetária de valores no tempo é circunstância que decorre diretamente do núcleo essencial do direito de propriedade (CF, art. , XXII). Corrigem-se valores nominais para que permaneçam com o mesmo valor econômico ao longo do tempo, diante da inflação. A ideia é simplesmente preservar o direito original em sua genuína extensão. Nesse sentido, o direito à correção monetária é reflexo imediato da proteção da propriedade. Deixar de atualizar valores pecuniários ou atualizá-los segundo critérios evidentemente incapazes de capturar o fenômeno inflacionário representa aniquilar o direito propriedade em seu núcleo essencial.' STF, ADIN 4425/DF, voto do Min. Luiz Fux.

Compartilho integralmente dos fundamentos de ambos os votos.

Não se trata, como bem alertou o Min. Fux, na decisão acima transcrita, de se interferir na atividade própria dos parlamentares. Não se cuida de mero juízo de conveniência ou oportunidade de determinado indexador.

Trata-se, isso sim, de se reconhecer a sua absoluta inaptidão para o fim a que se destina. A taxa referencial não é um indexador efetivo da variação de preços no mercado, podendo tanto superar a inflação quando não retratá-la a contento.

20. Ora, se sequer mediante emenda constitucional aludido indexador pode ser aplicado - como, ao que consta, deliberou o STF ao apreciar a aludida ADIN 4425/STF (abstraindo, aqui, temas alusivos ao trânsito em julgado daquele acórdão) -, tampouco se pode acolher que, mediante lei infraconstitucional aludido índice seja cominado.

Isso pode ensejar, é fato, problemas quanto ao funding.

Como sabido, o FGTS é empregado para financiamento da aquisição de imóveis, dentre outros investimentos. O art. 15, I, dalei 8.692/1993 dispõe o que segue:

Art. 15. Os saldos devedores dos financiamentos de que trata esta lei serão atualizados monetariamente na mesma periodicidade e pelos mesmos índices utilizados para a atualização:

I - das contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), quando a operação for lastreada com recursos do referido Fundo; e

II - dos depósitos em caderneta de poupança correspondentes ao dia da assinatura do contrato, nos demais casos.

Ademais, isso pode atingir a performance da CEF, enquanto administradora das mencionadas contas (agente operador):

'A Caixa Econômica Federal atua enquanto agente operador do Fundo. Compete a essa instituição a responsabilidade pela operação dos recursos e pela continuidade dos programas em andamento. Para tal, centraliza e faz a gestão dos recursos arrecadados e, neste sentido, repassa os recursos dos programas aprovados pelo CCFGTS aos agentes financeiros aptos a atuar enquanto intermediadores. Entre suas atribuições estão também a administração dos retornos das operações de crédito e a reciclagem dos ativos do Fundo. Além disso:

i. Operacionaliza a arrecadação e contribuição dos recursos dos empregados na conta vinculada dos trabalhadores;

ii. É representante judicial e extrajudicial do FGTS, segundo acordo com PGFN;

iii. É responsável pelos pagamentos e arrecadações referentes à Lei Complementar nº 110/2001;

iv. É responsável pelo risco de crédito das operações contratadas a partir de 19 de junho de 2001. Os riscos das operações contratadas até essa data foram repassados ao Tesouro Nacional.

(...) Pela atuação enquanto agente operador, a CEF é recompensada pelo FGTS. Como descrito acima, cabe ao CCFGTS a determinação da remuneração, a partir de estudos comprobatórios elaborados pela CEF, e essa é conformada por tarifas de remuneração, taxas de administração, tarifas bancárias e despesas administrativas,

além de taxa de performance. Em dezembro de 2006, a remuneração encontrava-se nos seguintes patamares: tarifa de remuneração de R$ 1,33 por conta movimentada (saques e depósitos), taxas de administração de 0,72% sobre o saldo das contas vinculadas e de 0,21% sobre o saldo das operações de crédito do Fundo, como remuneração pela gestão da carteira de empréstimos. A taxa de performance pela aplicação dos recursos do Fundo no mercado financeiro é de 5% do rendimento das aplicações que exceder a variação da Taxa Referencial de Juros (TR) acrescida de 6%'

Encarte - O FGTS - 2007. Dieese. Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível na internet. http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BA717F9A24069/sumario_2009_TEXTOV11.pdf.Consu...

em 04 de janeiro/2014.

Corre-se o risco, pois, que, por decisão judicial se determine a correção dos valores depositados nas contas vinculadas ao FGTS, mas não se assegure idêntica correção para os contratos de mútuo lastreados naquelas mesmas contas (eis que a sentença faz coisa julgada entre as partes; os motivos não transitam em julgado - arts. 469 e 472, CPC).

De todo modo, não há como escapar da conclusão, para os efeitos presentes, de que o titular da conta vinculada ao FGTS faz jus à efetiva atualização monetária dos valores lá lançados, com os reflexos pertinentes (p. Ex., os reflexos sobre os juros remuneratórios devidos no período).

21. Tenho bem ciência de que a taxa referencial sofre incrementos sazonais. Os índices aplicados à caderneta de poupança já superaram a inflação, razão pela qual o Estado chegou até mesmo a criar mecanismos para dissuadir depósitos, temendo migração de investimentos.

Ademais, tenho também consciência de que - observado todo o seu rigor lógico - aludidas premissas, esposadas pela Suprema Corte no julgamento da mencionada ADIN, poderiam comprometer a aplicação da SELIC como fator de correção monetária, eis que, tanto quanto a TRB, ela não revela a variação do poder aquisitivo da moeda.

Essa fora, por sinal, a conclusão do Ministro do STJ, Franciulli Neto, conforme se lê NETO, Domingos Franciulli: Da Inconstitucionalidade da taxa Selic para fins Tributários. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo. N. 58, p.7-30, jul. 2000.

Teme-se, pois, que haja verdadeira avalanche de ações, em um país em que até o passado é incerto. Não se pode buscar o melhor de dois mundos, não se pode pleitear apenas o critério mais favorável.

Sei bem que a intervenção judicial não pode ser prodigalizada. Na espécie, todavia, atendo às densas conclusões formuladas pela Suprema Corte, reputo que é inexorável a invalidade da TRB.

Cuida-se de inconstitucionalidade progressiva, já reconhecida pelo STF em alguns julgados (p. Ex., RE 147.776, RE 135.328/SP). Na medida em que a taxa referencial passou a ter variação inferior à inflação, o seu emprego para a correção das contas vinculadas ao FGTS tornou-se inconstitucional, por agredir ao art. , III, CF.22. Reporto-me, a propósito, à nota técnica divulgada pelo DIEESE (número 125, junho de 2013), cujo conteúdo evidencia que a taxa referencial tem tido variação inferior à da inflação, desde o ano de 1999: 'O FGTS sofreu impactos negativos com a piora do mercado de trabalho na década de 1990 e, de forma inversa, impactos positivos com a melhora verificada no grande crescimento da geração de postos de trabalho formais já na década de 2000, especialmente após 2003.

Nos últimos anos, a arrecadação e o saldo líquido do fundo mantiveram trajetória ascendente em ritmo superior à verificada para os saques que, refletindo a alta rotatividade do mercado de trabalho, também cresceram em ritmo elevado, ainda que inferior ao verificado para o aumento da arrecadação. Desde 2000, a arrecadação líquida foi de R$ 116,5 bilhões.

Esse resultado foi administrado a partir da aplicação dos recursos do FGTS em aplicações financeiras, especialmente títulos públicos, que garantiram grande rentabilidade ao fundo; deram segurança ao fornecimento de crédito habitacional subsidiado e facilitaram a obtenção da recomposição das perdas de inflação e os ganhos financeiros do fundo segundo as aplicações de mercado.

Por sua vez, o cenário de queda das taxas de juros pós-1999 acabou afetando diretamente a variação da TR.

Isso teve impacto direto sobre a rentabilidade do fundo e, por outro lado, afetou também a remuneração dos cotistas. Se a composição da remuneração atual das contas vinculadas do FGTS é de 3% (a título de capitalização) acumulada à variação da TR (correção monetária), o movimento de queda da taxa de juros e as modificações na fórmula do cálculo da TR afetam negativamente a taxa, o que impacta também negativamente a remuneração das contas vinculadas do FGTS.

O período pós-1999 é um marco importante no que diz respeito à TR, porque no campo macroeconômico houve o fim do regime de câmbio administrado e a adoção da taxa de câmbio flutuante. Essa alteração tem impacto nas taxas de juros (e por consequência na TR) porque, com o fim da necessidade de 'defender' a taxa de câmbio

pré-determinada pela equipe econômica, houve uma redução importante no patamar da taxa de juros Selic (a taxa básica da economia brasileira).

Assim, se consideradas as taxas mensais anualizadas da Selic - que nos anos de 1998 e 1999 foram de 25,6% e 23,0%, respectivamente - em 2000 houve redução para 16,2%, e a partir daí, diminuiu progressivamente até atingir 8,2% em 2012, ou seja, menos de um terço do percentual de 1998. O Gráfico 2 mostra esse comportamento.

(...) Além de a queda da taxa Selic resultar na diminuição de um dos principais componentes da TR - a Taxa Básica Financeira (TBF) -, outro elemento do cálculo da TR, o Redutor - mecanismo utilizado na fórmula de cálculo da taxa referencial para diminuir os percentuais resultantes da TBF - foi utilizado sequencialmente pelo Bacen para ajustar a TR aos juros básicos da economia, afetando diretamente o rendimentos dos cotistas.

Apesar de um escalonamento realizado em um dos itens que compõem o Redutor da TR, segundo a resolução nº 3.550/2008 e circular 3.455/2009, ambos do Banco Central, seu impacto não resolveu, de forma adequada, a correção monetária da TR. Isso porque a modificação nesse Redutor não foi na mesma proporção da queda verificada na taxa de juros Selic e, portanto, na TBF, que é diretamente impactada por essa taxa básica da economia brasileira. Tanto assim que, a partir de 2008, o Banco Central estipulou uma medida indicando que mesmo que o cálculo da TR apresentasse valores negativos, no resultado deveria ser considerado o valor de 0%., ou seja, correção monetária nula.

As perdas, porém, devem ser contextualizadas em relação ao fato de o próprio BC admitir que a fórmula de cálculo da TR (que também é utilizada para a poupança) pode ser revista em qualquer momento. Além disso, devido a questões macroeconômicas mais amplas, o BC pode precisar alterar o rendimento das poupanças (como o FGTS, no caso uma poupança 'compulsória') devido à gestão da dívida pública e à atratividade dos ativos financeiros em um cenário de queda do patamar de taxas de juros, como ocorrido recentemente.

Portanto, supondo-se que o patamar das taxas de juros mantenha-se como o atual, será necessário optar dentre algumas medidas:

- Modificar o redutor ou a fórmula de cálculo da TR; ou - Eleger outra forma de atualização dos saldos do FGTS, a qual deve possibilitar sua valorização, ao mesmo tempo em que continue sendo importante fundo para a execução das políticas habitacionais do país, permitindo o acesso a crédito subsidiado pela população.

No gráfico 3, é possível notar a relação nas trajetórias das taxas Selic, TBF e TR, desde 1996: aumentos ou reduções da taxa Selic interferem diretamente nas outras duas taxas em questão. Como já foi dito, a redução na Taxa Selic, teve impacto na Taxa Básica Financeira (TBF), que sofreu redução, e que, por sua vez, impactou a TR que, consequentemente, também apresentou queda.

(...)

No Gráfico 4 é possível visualizar melhor esse cenário.

Em 1996, a TR ficou em 9,59%, e ainda remunerava as contas do FGTS considerando em patamar suficiente para cobrir a inflação do período; mas é a partir de 2000 - portanto, na sequência da mudança na política cambial que teve reflexos sobre a redução da taxa de juros - que a TR começa uma trajetória de percentuais bastante baixos. Em 2000, o percentual ficou em 2,10%, chegando em 2012 a uma taxa de 0,29% e de 0,0% em 2013. Nesse período - a partir de 2000, o único ano que apresentou um percentual acima da média foi 2004 (4,65%).

Apesar de esse período registrar, na maior parte dos anos, índices de inflação baixos (exceção para os anos de 2001, 2002 e 2003), como a TR apresentou patamares muito baixos, a diferença entre essas taxas, como se pode constatar no Gráfico 4, apresenta números negativos desde 1999. Ou seja, a TR não conseguiu recompor a inflação nos saldos das contas vinculadas do FGTS, que acumularam perdas de 1999 a 2013 de 48,3%.

(...) Nos últimos 18 anos, apenas de 1995 a 1998 a variação anual da TR superou a variação do INPC. Nos anos seguintes, a TR é superada pelo INPC, com destaque para 2003, quando a diferença foi maior que 10%, como mostra Gráfico 4.

Quando se compara a evolução da TR, da TR acrescida de 3% e do INPC, entre 1995 e 2012, constata-se que a remuneração das contas do FGTS só não fica abaixo da inflação por conta do acréscimo do percentual de 3% a título de capitalização. Entretanto, após 1999, quando o INPC passa a superar a TR, a diferença cumulativa

entre as taxas cresceu tanto que, mesmo considerando o acréscimo dos juros capitalizados, a correção acumulada das contas vinculadas torna-se inferior à inflação acumulada em igual período.'DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. O FGTS e a TR. Nota Técnica.

N. 125, junho de 2013. Omiti a transcrição dos gráficos.

23. Menciono, ademais, a sentença proferida pelo insigne Juiz Márcio José de Aguiar Barbosa, da Subseção de Pouso Alegre/MG, quem bem explicou a mudança operada na metodologia do cálculo da taxa referencial:

'A lei 8.177/91 - uma das medidas do chamado 'Plano Collor II' - promoveu diversas medidas de desindexação da economia que foram mantidas e aperfeiçoadas no 'Plano Real', dentre as quais a substituição da ubíqua correção monetária das cadernetas de poupança por uma remuneração básica não mais atrelada à inflação passada, mas, inicialmente, à previsão feita pelo mercado financeiro de inflação futura: a taxa referencial ou TR.

Como estabelecido no art. da lei 8.177/91, o cálculo da taxa referencial de cada dia seria feito a partir da média das remunerações mensais dos títulos públicos e privados negociados no mercado financeiro naquele dia.

A razão econômica por trás dessa metodologia é muito simples: as taxas mensais de remuneração dos títulos no mercado financeiro em determinada data, em condições normais, representam a previsão consensualmente feita pelo mercado financeiro da inflação para aquele período (inflação futura) acrescida de uma taxa real de juros também para o mesmo período.

A taxa real de juros (isto é, a parte da remuneração da aplicação financeira que supera a inflação no mesmo período), normalmente, tem certa estabilidade durante grandes períodos e, basicamente, é controlada pelo BACEN e por sua política monetária.

Portanto, bastaria que a metodologia de cálculo da taxa referencial se adequasse às previsões de taxa real de juros médias em cada período para que o valor da TR se aproximasse da previsão de inflação futura do mercado financeiro.

Desse modo, teoricamente, a TR foi criada para remunerar as cadernetas de poupança com a expectativa de inflação futura no período de aplicação, no lugar da inflação passada. Desindexava-se, assim, a caderneta de poupança (principal ativo financeiro na época) dos índices de inflação passada.

Nessa época havia ainda duas outras particularidades do mercado financeiro que tornavam o cálculo da TR

mais fácil e mais próximo dessa previsão teórica: 1) o imposto de renda incidente sobre as aplicações financeiras tinha como base de cálculo apenas o 'rendimento real', isto é, acima da inflação, e diversos foram os índices de correção monetária utilizados pelo Fisco (OTN, BTN, BTN-fiscal e, por fim, UFIR) para identificar o 'rendimento real'; 2) o rendimento real líquido (isto é, descontado do IR) das aplicações era bem superior a 0,5% ao mês, que sempre foi a taxa de juros remuneratórios da poupança.

Essas duas particularidades permitiam que o cálculo da TR fosse feito de forma bem simples. Se considerarmos 'RB' o rendimento bruto médio dos títulos, 'IF' a inflação futura prevista pelo mercado e 'JR' os juros reais mensais médios, teríamos:

(1 + RB) = (1 + IF) x (1 + JR). Para saber a previsão de inflação futura (IF), teríamos (1 + IF) = (1 + RB) / (1 + JR).

A metodologia inicial do Banco Central para cálculo da TR era bem simples: bastava estimar a taxa de juros reais na economia por um determinado fator (chamaremos de JR) e calcular: (1 + TR) = (1 + RB)/(1 + JR), onde RB era a média da remuneração bruta mensal da amostra de títulos públicos e privados.

A partir de 1995, com a primeira edição da MP 2.074-73 (MP 1.053, de 30/06/1995), que viria se tornar a lei 10.192/2001, foi criada a TBF - taxa básica financeira - definida como a média de remuneração bruta mensal da amostra de títulos do mercado financeiro e o cálculo da TR passou a se vincular à TBF pela fórmula simples:

(1 + TR) = (1 + TBF)/ (1 + JR), e o fator JR foi sendo alterado pelas resoluções do CMN para se adequar às previsões de juros reais.

A partir de 1996 (lei 8.981/95), o imposto de renda sobre as aplicações financeiras passou a ser calculado não mais sobre a remuneração real (descontada a inflação), mas sobre a remuneração total das aplicações, abandonando-se paulatinamente a utilização da UFIR como indexador no âmbito fiscal, e, com a estabilização promovida pelo Plano Real, as taxas de juros reais começaram a ceder.

Esses dois fatores fizeram com que o cálculo da TR tivesse que se modificar, pois não havia mais a garantia de que o rendimento líquido das aplicações financeiras fosse sempre superar a previsão de inflação futura mais uma taxa de juros de 0,5% ao mês. Com efeito, é possível demonstrar que, com a cobrança do IR sobre o total da remuneração da aplicação financeira, quanto maior a inflação e quanto menor a taxa de juros reais, maior a parcela dos juros reais que seria paga ao Fisco como imposto de renda - e, portanto, menor a taxa de juros reais líquida do período.

A taxa de juros reais líquida poderia cair abaixo dos juros da poupança.

Na hipótese de a taxa de juros reais líquida das aplicações financeiras ficar abaixo da taxa de juros da poupança, haveria uma migração em massa dos investidores dos títulos públicos e privados para a caderneta de poupança, provocando grandes transtornos no mercado financeiro e na dívida pública. Fazia-se necessário adequar o cálculo da TR de modo que a remuneração total da poupança (TR + 0,5% ao mês) não superasse a remuneração líquida média dos títulos públicos e privados.

Inicialmente, com a Resolução CMN 2.387/97, o fator (1+ JR) foi substituído simplesmente pelo fator R, vinculado à própria TBF por um cálculo um pouco mais complexo e utilizando dois parâmetros, 'a' e 'b' determinados no normativo.

A partir da Resolução CMN 2.604, de 23/04/1999, o fator R passou a se vincular à TBF e à taxa de juros da poupança pela fórmula R = a + b x TBF, onde 'a' sempre foi 1,005 (fator referente à taxa de juros mensais da poupança) e 'b' foi sendo alterado à medida que as taxas de juros brutas caíam ao longo do tempo. A primeira TR nessa nova metodologia foi referente a 01/06/1999 (art. 3º da Res. 2.604/99).

O fator 'b', fixado inicialmente em 0,48, foi sendo reduzido até que, na redação atual da Resolução 3.354/2007, para TBF abaixo de 11%, esse fator 'b' tem sido discricionariamente fixado pelo BACEN.

Com tal metodologia, o cálculo da TR se desvinculou de seus objetivos iniciais (indicar a previsão do mercado financeiro para a inflação no período futuro escolhido) para se ater tão somente à necessidade de impedir que a poupança concorra com outras aplicações financeiras.'Sentença de autos n. 3279-88.2013.4.01.3810, Justiça Federal, Subseção de Pouso Alegre, Juiz Mário José deAguiar Barbosa. Disponível na internet.

Constata-se, portanto, que a taxa referencial não tem retratado suficientemente a variação da inflação. Os índices têm ficado aquém do necessário para a reposição do poder aquisitivo da moeda.

25. O fato é que o titular de tais contas vinculadas possui o direito à efetiva correção monetária dos recursos lá mantidos, para além da incidência dos juros de 3% ao ano (art. , III, lei 8036/1990). Prospera, desse modo, a irresignação do (s) demandante (s) contra a incidência da taxa referencial para correção monetária dos valores mantidos em conta vinculada ao FGTS.

26. Impõe-se, pois, aferir qual o índice sucedâneo, que mais bem retrate a variação do poder aquisitivo da moeda, no setor pertinente.

Levo em conta, para tanto, um confronto entre os índices da taxa referencial básica - TRB, do índice nacional de preços ao consumidor - INPC e também do índices de preços ao consumidor amplo - IPCA.

O INPC é calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE desde 1979 (p. Ex., lei 6.708/1979).

Leva em conta, para tanto, a variação do custo de vida suportada pelas famílias com rendimentos entre 01 e 05 salários mínimos. Sua aferição se dá mediante a consolidação dos índices de preços das regiões metropolitanas de Brasília, Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Belém, Fortaleza, Curitiba e Salvador (coleta de dados entre o dia 1º e 30 do mês de referência, com divulgação até o dia 15 do mês subsequente).

O IPCA também é calculado pelo IBGE (desde 1980). Tem um espectro maior de avaliação, eis que aufere a variação do custo de vida de famílias com renda mensal entre 01 e 40 salários mínimos. Trata-se de critério mais abrangente, eis que atinge setores de saúde, vestuário, transporte, educação etc. Ademais, foi previsto como critério para fins de avaliação das metas de inflação (inflation targeting).

Ademais, a lei 12.919/2013 preconizou a utilização desse índice para fins de correção dos precatórios judiciais:

Art. 27. A atualização monetária dos precatórios, determinada no § 12 do art. 100 da Constituição Federal, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho, observará, no exercício de 2014, a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - Especial - IPCA-E do IBGE.

Referido critério é o mais adequado, como se percebe, para a avaliação efetiva da inflação do período em exame.

27. Anoto que já julguei improcedente, em várias sentenças, a pretensão de substituição da taxa referencial como critério de correção do saldo dever de mútuos feneratícios (p. Ex., contratos celebrados sob o SFH). Levei em conta, para tanto, o que dispõem o art. 15 da lei 8.692/1993 e também súmulas 295 e 454, STF.

Na espécie, todavia, há peculiaridades. Considero, repiso, sobremodo o fato de que se trata de uma garantia fundamental, reconhecida no art. da Constituição; a circunstância de não haver portabilidade (não há liberdade de contratar esse ou aquele índice) e, por fim, os densos fundamentos esposados pela Suprema Corte, ao apreciar a ADIn 493-0 e a ADIs 4425 e 4357.

Uma vez mais: se a TR não pode ser adotada para a correção de dívidas do Estado, sequer mediante emenda constitucional (EC 62), qual a razão para que tratamento diverso seja adotado no que toca ao FGTS? Não encontro fundamento, venia concessa, para que a lógica dos densos votos prolatados nas ADIs acima referidas não seja também oponível à gestão do Fundo de Garantia.

28. As diferenças hão de ser pagas pelo agente operador (Caixa Econômica Federal) devidamente atualizadas e sob juros moratórios de 1% ao mês, na forma do art. 293, CPC c/ art. 406, CC.

Menciono ainda o enunciado 20 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:

'A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês. A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a doze por cento ao ano.'

3. Dispositivo

Diante do exposto, julgo procedente o pedido para condenar a Caixa Econômica Federal a:

(A) No caso dos depósitos do FGTS não levantados até a data da recomposição: A mencionada empresa pública deverá recalcular a correção do FGTS desde 01 de junho de 1999, substituindo a atualização da TR pelo IPCA-E, mesmo nos meses em que a TR for superior ao IPCA-E ou que esse último índice tenha variação negativa, mantendo-se os juros remuneratórios de 3% ao ano previstos no art. 13 da lei 8.036/90, depositando as diferenças corrigidas na (s) conta (s) vinculada (s) respectiva (s). Ela também deverá pagar juros moratórios de 1% ao mês sobre as diferenças corrigidas.

Referidos juros moratórios terão termo inicial na data da citação e termo final na data da recomposição da (s) conta (s) vinculada (s), depositando os juros na (s) conta (s) vinculada (s) respectiva (s);

(B) no caso dos depósitos do FGTS levantados entre 01/06/1999 até a data da recomposição, na forma do art.200 da lei80366: O banco deverá recalcular a correção do FGTS desde 01/06/1999, substituindo a atualização da TR pelo IPCA-E, mesmo nos meses em que a TR for superior a esse índice ou mesmo quando o IPCA-E tiver tido variação negativa, mantendo-se os juros remuneratórios de 3% ao ano previstos no art. 13 da lei 8.036/90, até a data do levantamento a partir da qual a diferença deverá ser corrigida unicamente pelo IPCA-E até o depósito em juízo nos termos do art. 475-J do CPC (ou seja, quanto ao período subsequente ao levantamento, são incabíveis juros remuneratórios).

Nesse último caso, a CEF também deverá pagar juros moratórios de 1% ao mês sobre as diferenças corrigidas, incidentes desde a citação até a data do depósito em juízo nos termos do art. 475-J do CPC.

Condeno a CEF ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Curitiba, 14 de abril de 2014.

Sílvia Regina Salau Brollo

Juíza Federal -11ª Vara

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22 Comentários

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Sentença incrível, em todos os aspectos!

E o mais impressionante nem é a excelência da sentença, que chega a ser mais profunda que a de Pouso Alegre, onde surgiu a tese de aplicação da inconstitucionalidade progressiva ao FGTS (e que até agora, ao lado da de Foz do Iguaçu, eram as melhores que eu tinha visto), mas o fato de não reconhecer o efeito suspensivo das ações individuais determinado pelo STJ!

Acho que por esta ninguém esperava! Dias atrás vi uma de Salvador (também excelente, por sinal), também julgada procedente após a suspensão, mas que não se referia, como esta, especificamente ao pedido de suspensão feito pela CEF.

Ainda acredito que a ADI 5090 definirá toda esta questão, e talvez muito rapidamente, mas é ótimo ver que muitos magistrados federais se debruçaram sobre o assunto com afinco e mente aberta, e que conseguiram entender a teratologia da situação.

Ninguém quer quebrar a CEF, nem desestabilizar a economia, e a sentença analisa este ponto como nenhuma outra (procedente) fez até agora, concluindo que não há outra forma de se fazer justiça, senão determinando a correção.

Para não me estender demais, quero apenas deixar aqui registrada minha admiração pela coragem e competência destes magistrados diferenciados, que estudaram profundamente o assunto e estão julgando a ação procedente porque esta é a única coisa certa a ser feita (e o mais legal é que até já perdi a conta de quantos são!). continuar lendo

Concordo plenamente com os seus comentários.
Aproveito este momento para parabenizar a Juíza Federal Silvia Regina Salau Brollo, pela Sentença excelente.
Sabemos que o caminho é árduo,mas tenho certeza que existe luz no fim do túnel, então vamos em frente. continuar lendo

Boa tarde Dr. Gustavo!

O amigo poderia me informar os números dos processos das decisões de Foz do Iguaçu, Pouso Alegre e de Salvador que descreve no comentário acima?

Obrigado! continuar lendo

Acho que a partir deste link vc encontra a maioria: http://gustavoborceda.jusbrasil.com.br/noticias/112339882/a-nova-ação-revisional-do-fgts-mais-uma-sentenca-procedente-1-regiao. Só a de Salvador que não reencontrei, mas tem aqui no jus, precisa procurar nos tópicos respectivos, principalmente no Correção do FGTS pela TR/Inflação.

Abraços. continuar lendo

Excelente deicisão!
Prezados, gostaria de saber se ainda estão dando entrada nesse tipo de ação, buscando o reajuste do FGTS por índice diverso da TR, ou se estão aguardando as decisões da ADI e do Resp.
Qual a melhor opção? correr o risco e dar entrada mesmo agora, ou aguardar as decisões definitivas supracitadas?
Agradeço desde já a respostas! continuar lendo

Em relação ao processo 5003434-21.2014.404.7000, JF do estado do Paraná, o recurso ao TRF "sobrestou" o feito.
http://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?ação=consulta_processual_resultado_pesquisa&txtValor=50034342120144047000&selOrigem=TRF&chkMostrarBaixados=&todasfases=S&selForma=NU&todaspartes=&hdnRefId=11d125577fa59075ed472553a50652f0&txtPalavraGerada=UJdD&txtChave= continuar lendo

Sentença bem fundamentada. Demonstra que a ideia de aplicação de índice de correção monetária diverso da TR nos valores depositados em conta do FGTS está mais do que nunca firme e forte. Isso reforça a necessidade da classe trabalhadora acreditar e se mobilizar no sentido de apoiar essa discussão jurídica. continuar lendo